quarta-feira, 30 de junho de 2010

MEC

Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas dizem que fazem parte; que são o preço; que são um caminho; que dão força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia que são, que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor – o que é muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente, alguém que, se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve, já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser abandonado por alguém de quem nos habituáramos a fugir, e de já não ser amado por quem nunca amámos. Mas isso é um simples desgosto que nada tem a ver com o amor. Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio – tão secreta e infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá.” Como se pudéssemos responder: “Boa ideia – vou deixar!” Os desgostos de amor estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho. Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai amar. É que os corações partidos ficam partidos. Deixam de poder amar. E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o gosto duma pedra de sal está para o mar. E às vezes ainda é mais triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer qualquer, que mata o amor – a possibilidade de amar – logo à nascença. Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande como um desgosto de amor.

Miguel Esteves Cardoso, in crónicas no jornal Expresso

segunda-feira, 24 de maio de 2010

É bom!

"Sair dos dias. Não dormir. Não falar com ninguém. Ficar de fora do lá de fora. Ocupar o coração. À força. Ser como ele.

É muito bom e faz muito bem.

Espera-se um bocadinho e, pouco a pouco, ele começa a correr para dentro de nós, aflito por atenção. Traz as coisas que adiámos, em que não reparámos, que não tivemos tempo de cuidar. E primeiro vêm as mágoas. A felicidade que recusámos. Sem saber. Sempre sem saber. A tristeza que fugimos. Voltam. É muito bom e faz muito bem.

Sair de nós. Cair nos outros. Não escrever. Ler. Não pensar. Lembrar. Os amigos quietos. O murmúrio do riso que riram. A família parada. O colo onde cabe a cabeça. O amor adormecido. Estas coisas acordam. E sossega saber que nós não somos nada sem eles. E mesmo com eles, quase nada. Escravos de carinhos somos nós, seguindo atrás, de braços abertos, numa fila sem fim.

É muito bom e faz muito bem.

Sair dos trabalhos, do dinheiro, das palavras que nada querem ou conseguem dizer. Fazer gazeta. Faltar. Desobedecer. É um trabalho também. Não ir. Não responder. Não entregar. É cumprir também. Desmergulhar. Desfazer. Desacontecer. São tarefas também. Ainda mas difíceis, talvez.
É muito bom e faz muito bem.

Sair da ordem. Cair na doçura do acaso. Trocar de caos. Descer. Vestir a mesma roupa. Não fazer a barba. Beber. Fumar. Sem pausa. Sem razão. Ceder. Emergir. Abandalhar. Fazer o que não se está a fazer. Esticar a corda. Não atender. Desarrumar os livros. Passear pela casa como se fosse uma cidade destruída. Estragar.
É muito bom e faz muito bem.

Sair da vontade. Cair na estupidez. Não descansar. Ver televisão numa língua que não se compreende. Forçar. Esquecer.

Fazer o que não apetece fazer. Contrariar. Confundir. Comer atum de conserva com uma colher. Pôr o despertador para tocar mal se comece a adormecer. Dizer disparates em voz alta."Todos agora". Virar o bico ao pego. Arrepiar. Arrepender.

É muito bom e faz muito bem.

Sair do corpo. Cair na alma. De chapão. Sem ver nada à frente. Receber os mistérios. Sem cerimónias. Sem compreender. Ser absorvido. Subjugado. E agradecer. Perder o norte, o fio, os sentidos. E gostar. Divertir. Desprender. Chafurdar na lama. Acriançar. Rir. Começar a chorar. Ser levado, enlevado, enganado, desprotegido, confuso, cruel. Desviado.

É muito bom e faz muito bem.

Sair da vida. Cair na morte. Sofrer. Iludir. Acabar. Permanecer na cama. Pensar em tudo o que se faz como se fosse a última vez. Esmorecer. Querer voltar atrás e fingir que já não se pode. Confessar. Pedir. Esvaziar. Ter pena de quem se foi e do que se fez. Rejeitar o perdão, a redenção, a última oportunidade.

É muito bom e faz muito bem.

É tão bom e faz tanto bem que, às vezes, cada vez mais, não apetece regressar. Tanto que só nos resta levantarmo-nos de onde caímos e, deixando-nos conduzir por tudo o que nos tolheu os passos desde o dia em que começámos a errar, na contramão das nossas almas, só nos resta procurar um sítio onde a nossa ida não se reconhece, não se aceita, não faz sentido, e entrar.

Entrar aqui. Daqui de onde nunca se sai. E ficar."


Miguel Esteves Cardoso

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Viagem á Felicidade: Eduardo Punset

Até há pouco mais de um século, a esperança média de vida rondava os trinta anos: o suficiente para se aprender a sobreviver, se se contasse com a sorte, e culminar o propósito evolutivo da reprodução. Não havia futuro nem a possibilidade de se propor um objectivo tão insuspeito como o de se ser feliz. Esta era uma questão que se deixava para depois da morte e que dependia dos deuses. A revolução científica iniciou entretanto a mudança mais importante de toda a história da evolução: o prolongamento da esperança de vida que acrescentou mais de quarenta anos, redundantes ? em termos evolutivos. Pela primeira vez a humanidade tem futuro e coloca, logicamente, a questão de como se ser feliz aqui e agora. As pessoas submergiram nessas águas desconhecidas sem, praticamente, ter ajuda de ninguém. Agora a comunidade científica tenta iluminar o caminho.»Este livro é uma lúcida e apaixonante aproximação à felicidade e suas condicionantes: as emoções, o stress, os fluxos hormonais, o envelhecimento, os factores sociais, económicos, culturais e religiosos... É uma indagação que nos revela as mais recentes descobertas científicas sobre este tema e no capítulo final propõe-nos uma fórmula para a felicidade.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Que amor é este?

Que amor é este que me consome sem nunca lhe atear fogo? Que vento é este que me leva a ti sem saber onde estás? Não consigo esconder de mim a sensação estranha de borboletas no estômago, que vão esvoaçando como doidas na fresca primavera do ano e tudo se resume a isso: estranheza. Mais ainda quando te queria ver, como te vejo nessa imagem fictícia na memória que mais nada me deu senão a ilusão, a esperança e dias melhores. Fui sempre feito desse amor diferente, maior até que a própria imaginação, e nunca me dei bem - estranho, mas preocupo-me - que chegasse o dia e o momento para acontecer tudo o que se pensa ou quer-se com destemida vontade mas o tempo não corre quando devia fazê-lo, os dias não são o que deviam ser. Que culpa é esta que trago? Que ansiedade? Que vontade? O amor é um sentimento perigoso que não sabe baloiçar à chuva nem ser-se social. O amor é uma ligação e nem todos têm esse direito tão facilmente. O amor sou eu mas falta o resto.

David Marinho

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Rainha que mandou à fava o cavaleiro da armadura oxidada

Por detrás de qualquer rainha existe sempre uma história com o seu lado de fantasia e de vivências que gostaria de esquecer, de amores que nasceram limpos e depressa perderam o sentido, de noites sem sono, de beijos a fazer crer que o amor era possível e de sentimentos que um dia poderão ter sido autênticos.
Por detrás de qualquer rainha há a história de um coração inocente e de uma coroa desconhecida.
Por detrás de qualquer rainha há um sonho que de busca eterna, pelo qual ela é capaz de empenhar até a coroa e de enfrentar os demónios mais obscuros.
Por detrás de qualquer rainha há uma história confessável de amor perdido, atraiçoado, encontrado, sonhado, sentido, ignorado e aprendido.
Dentro de qualquer rainha existe uma alma forte que arrisca tudo desde que possa viver a sua vida e alcançar o destino da sua coroa.

terça-feira, 13 de abril de 2010

A Rainha que mandou à fava o cavaleiro da armadura oxidada

Infelizmente há pessoas que acendem faíscas atrás de faíscas, mas nunca provocam a chama. Porquê? Simplesmente porque gostam do efeito faísca, procuram adrenalina que ela produz, pois fá-las esquecer por um momento a sua realidade interior - vazio, solidão, pânico de amar, medo do abandono, medo de que deixem de ser amadas, desvalorização. Enquanto estiverem sob o efeito da droga que é a adrenalina, estas pessoas ficarão viciadas nas faíscas iniciais das relações, pois é uma droga que tem um efeito potente.
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Uma vez passado o efeito-faísca, vão querer mais. E, regra geral, isso não costuma dar-se outra vez com a mesma pessoa, mas com alguém desconhecido, a quem não estão ligadas por qualquer laço afectivo e com quem possa surgir uma nova faísca. Sem laços afectivos não há compromisso, e sem compromisso não há medo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Só o amor é real

Para cada um de nós, existe alguma pessoa especial. Muitas vezes, existem duas, três, ou mesmo quatro. Todas vêm de gerações diferentes.
Atravessam oceanos de tempos e profundidades celestiais para estarem connosco novamente. Vêm do outro lado do céu.
Podem parecer diferentes, mas o nosso coração reconhece-as. O nosso coração abrigou-as nos braços em tempos antigos.
Marchamos juntos nos exércitos de generais guerreiros que a História esqueceu, e vivemos com elas nas cavernas cobertas de areia dos Homens Antigos.
Há entre eles e nós um laço eterno, que nunca nos deixa sós.
A nossa mente pode interferir. "Eu não te conheço". Mas o coração sabe.
Ela toma a nossa mão pela "primeira" vez, e a lembrança daquele toque transcende o tempo e faz disparar uma corrente que percorre todos os átomos do nosso ser.
Ela olha nos nossos olhos e vemos um espírito que nos vem acompanhando há séculos.
Há uma estranha sensação no nosso estômago. A nossa pele arrepia-se. Tudo o que existe fora desse momento perde a importância.
Ela pode não nos reconhecer, muito embora tenhamos finalmente nos reencontrado, embora a conheçamos. Sentimos a ligação. Vemos o potencial, o futuro.
Mas ela não o vê. Temores, racionalizações, problemas cobrem-lhe os olhos com um véu. Ela não permite que afastemos o véu.
Choramos e sofremos, mas ela vai-se . A "natureza" tem os seus caprichos.
Quando os dois se reconhecem, nenhum vulcão é capaz de explodir com força igual.
O reconhecimento do espírito pode ser imediato.
Uma súbita sensação de familiaridade, de conhecer aquela pessoa em níveis mais profundos do que a mente consciente poderia alcançar. Em níveis geralmente reservados aos mais íntimos membros da família.
Ou ainda mais profundos.
Sabemos intuitivamente o que dizer, como ele vai reagir. Um sentimento de segurança e uma confiança muito maior do que se poderia atingir em apenas um dia, uma semana ou um mês.
O reconhecimento da alma pode ser subtil e lento. Um despertar da consciência à medida em que o véu se vai aos poucos levantando. Nem todos estão prontos para ver imediatamente. Há um ritmo nisto tudo, e a paciência pode ser necessária àquele que percebe primeiro.
Um olhar, um sonho, uma lembrança, uma sensação podem fazer com que despertemos para a presença do espírito.
O toque de suas mãos ou o beijo de seus lábios pode nos despertar e projetar-nos subitamente de volta à vida.
O toque que nos desperta pode ser de um filho, de um pai, de uma mãe, de um irmão ou de um amigo leal.
Ou pode ser da pessoa a quem amamos, que atravessa os séculos para nos beijar mais uma vez e lembrar-nos de que estamos juntos sempre, até o fim dos tempos.
Do livro "Só O Amor É Real", de Brian Weiss